Técnico reassume comando do Rio, revela conversas com CBV e volta a abrir caminho para cargo fora da comissão técnica: "Eu continuo capitaneando o processo".
“Mudar a si mesmo é o maior milagre”. As palavras do monge indiano Ramakhrishnananda Puri ajudam a ditar o rumo de Bernardinho. Enquanto desacelera o passo e renova o fôlego, o técnico volta à rotina em fase de redescoberta. A conquista do ouro olímpico após um ciclo pesado dá a paz que o treinador procura para trilhar o caminho em diante. Descansado, reassume a liderança do Rio de Janeiro em frente à nova temporada, com direito a Mundial de Clubes e a busca pelo 12º título da Superliga. Leva ainda, porém, as dúvidas sobre quais os próximos passos a tomar – ao lado ou distante da seleção.
Exatamente um mês após a conquista de seu segundo ouro olímpico – também estava à frente no título de Atenas 2004 –, Bernardinho ainda não sabe se seguirá no comando da seleção. Nesta quarta-feira, em sessão de fotos da equipe do Rio de Janeiro para a temporada, falou naturalmente sobre os riscos de continuar no cargo que ocupa há 15 anos. Mais uma vez, porém, admite: não sabe viver fora do mundo da equipe. Se a escolha cobra um preço, abre a possibilidade de seguir em um cargo diferente, coordenando o novo ciclo, caso a Confederação Brasileira de Vôlei assim aceite. Sujeita a permanência, no entanto, à dedicação de seus principais pilares na seleção.
- É possível (seguir como coordenador). Não existe essa função no vôlei. Existe no futebol. É uma coisa a se conversar. Eu não me vejo fora. Mas não sou o dono do processo. Amanhã, a federação pode achar interessante uma mudança de rumo. Eles estão esperando uma definição. Nós tivemos reuniões sobre os próximos quatro anos. Eu continuo capitaneando o processo. Questão de premiação, tudo. Sempre foi assim. Meu contrato é de seis meses, acabou em agosto. Não tem contrato efetivamente, mas sempre trabalhei o tempo todo.
À frente do Rio, Bernardinho prepara a equipe para seu primeiro grande desafio da temporada. Atual campeão da Superliga, o time disputa o Mundial de clubes entre os dias 18 e 23 de outubro, em Pasay, nas Filipinas. O Rio está no grupo A, ao lado de PSL Manila, das Filipinas; Eczacibasi, da Turquia; e Casalmaggiore, da Itália.
Confira trechos da entrevista com o treinador:
Sequência na seleção
Estou conversando um pouco, vendo as coisas. E sentindo. Eu não consigo viver sem isso. Eu estava aqui desde semana retrasada. E um comandante, meu amigo, disse: “Esse tarado já está aqui?”. Eu não consigo viver sem isso. Mas existe o outro lado da história. Minha filha me diz: “Pai, você não me viu nascer”. “Onde você viu isso?”. “Eu li na reportagem”. Ela lê tudo. Eu cheguei logo depois, aluguei um avião e voltei. Mal sabe ela o esforço e a grana (risos). São pequenas coisas. Primeira festa que eu fui da Júlia (sua outra filha) foi dela aos 9 anos. Agora tem 14. Então, você poderia viver um pouco mais. Algumas outras coisas que também me fazem pensar. Mas é aquela história: posso ter mudado minha forma em algumas coisas, mas a essência não mudou. A questão que eu me coloco é a seguinte: estarão todos dispostos a continuar pagando o preço? Eu fiz essa questão em 2004 e continuei. Eu me vejo muito mais no processo do que fora. Tenho muita coisa a fazer, mas, cara, essa é a minha vida.
Novo cargo
É possível. Não existe essa função no vôlei. Existe no futebol. É uma coisa a se conversar. Eu não me vejo fora. Mas não sou o dono do processo. Amanhã, a Confederação pode achar interessante uma mudança de rumo. Eles estão esperando uma definição. Nós tivemos reuniões sobre os próximos quatro anos. Eu continuo capitaneando o processo. Questão de premiação, tudo. Sempre foi assim. Meu contrato é de seis meses, acabou em agosto. Não tem contrato efetivamente, mas sempre trabalhei o tempo todo. Rubinho (auxiliar técnico) está trabalhando lá com o Giovane (bicampeão olímpico, técnico da seleção sub-21), temos jogadores que interessam para o próximo ciclo. Vamos conversar com aqueles que eu considero pilares, ver o que eles querem. Você depende de alguns caras. Claro, você pode ter mudanças e que bom. Lucarelli, Wallace, Maurício Souza, Lucão. Nenhum treinador abrirá mao desses. É muito importante a participação deles. Tem de ser dedicação total. Essa é a realidade. Temos de ter essa entrega como houve antes.
Tempos de mudança
A seleção, de certa maneira, foi um laboratório importante. Era uma seleção sem muitos veteranos. Claro, colocávamos a pressão no Bruno, no Serginho, e deu. Os outros, precisava trabalhar um pouco melhor. Saber levar. Para mim, foi um aprendizado. Saber levar isso, me controlar melhor. A geração anterior era movida a desafio, a porrada. Essa não é assim, e não é uma crítica. É uma observação. Precisamos nos adequar e fazer melhor. O mais difícil não é você fazer mudanças. É você saber mudar a si próprio. Estava até lendo um texto disso. Eu já tinha lido um artigo sobre isso. O mais difícil é você mudar a si mesmo, tirar sentimentos ruins, saber se ajustar às coisas, mudar sua forma de lidar com as pessoas. Tentar, né? Acho que esse processo, essa tentativa é fundamental. Estou sempre nesse processo.
Avaliação dos Jogos
A Olimpíada, muito maior que a vitória, foi um aprendizado. Estava vendo imagens desses 16 anos, porque as pessoas me chamam para falar sobre isso. Temos três (títulos de) Campeonatos Mundiais. Três ouros e uma prata. Copas do Mundo, tenho dois ouros, um bronze e um impedimento. Várias Ligas Mundiais. Olimpíada, quatro finais, dois ouros e duas pratas. E as fotos. Em 2008 e em 2012, aquela tristeza. Em 2016, aquela felicidade de novo. Se você parar para ver essa história, o quanto a geração foi contestada. Mas ver o quanto essa geração fez. Parar e ter uma perspectiva histórica disso. Quando a seleção de vôlei fica com a prata, perdeu o ouro. Quando é outro atleta, ganha a prata – como deve ser, na minha opinião. Acho que a Olimpíada, de uma certa maneira, mudou um pouco como o público ver. Porque o público viu, estava no quintal de casa. É diferente de quando você está distante. Você lê uma referência qualquer, vê, ouve alguma coisa. E você vê as pessoas realmente emocionadas.
Importância da Olimpíada para o Brasil
O esporte do Brasil nunca teve metas. E ter estabelecido e chegado perto é um avanço importante. Onde temos que melhorar? Concordo, temos de fazer críticas. Em alguns esportes, não fomos bem, como a natação, o atletismo. Podíamos mais. Tem coisas que você perde e em outras ganha. É do jogo. Fica o aprendizado. Para mim, como um homem do esporte, o processo de 2020 já começou. O Brasil não pode ser uma Grécia. O Brasil tem de ser uma Grã-Bretanha. Claro que não pretendemos ser a prioridade de investimento do país. O país quer educação, saúde, segurança. O esporte entra ali. Até como educação, bacana. O alto rendimento, precisamos buscar na iniciativa privada. Ser eficientes para avançar. Muitas coisas boas foram feitas. Todos nós, a princípio, em 2009, tivemos dúvida. Temos de reconhecer o belíssimo trabalho que foi feito. Todos com saudade, abstinência. O país viveu, a cidade particularmente. Foi um sucesso. Usar isso como projeto de excelência, como referência. Não é o resultado em si. Foi como executamos. Esporte de alto rendimento é isso. Que se possa usar isso como legado, ver o que podemos fazer. E fazer com seriedade, investimentos corretos.
Bacana ter feito parte disso tudo e ver que há esperança. Duvido que haja alguém que não tenha tido dúvidas. Todo mundo teve. Como brasileiro, até estava lendo o Zuenir Ventura, a autoestima foi trabalhada. A gente acredita realmente. O vôlei acabou sendo privilegiado por ser último a ganhar. Virou uma certa comoção. Minha filha ficou meio assustada: “Papai, nunca mais na minha vida vou com você ao shopping”. É o momento. Segunda, depois da Olimpíada, fomos comer no shopping. E deu um tumulto, realmente. É reconhecimento. É bacana, absolutamente sincero. As pessoas me abraçam na rua. Você para, olha e pensa: “Fiz alguma coisa legal”. É uma responsabilidade, mas tinha um legado que queríamos deixar. Trabalhamos muito. E isso é um exemplo. Com seriedade, ética, tentando fazer o certo, sendo verdadeiro. Claro que vou errar, mas vou tentar fazer a coisa certa. Quando as coisas acontecem. Lipe tendo reconhecimento depois de uma carreira dura. Éder, último corte em 2008 e 2012. Claro que ficou frustrado. Em algum momento, me odiou. Eu fui jogador também, sei como é. É uma escolha. Ele continuou. Isso é um exemplo. Venceu por isso, é um campeão olímpico. O André Heller, em 2002, cortei do Mundial. Ele me perguntou: “O que eu preciso fazer para voltar e não ser mais cortado?”. Eu disse. Ele voltou e foi titular por anos. É trabalho, disciplina.
Volta ao trabalho no Rio
A gente tem um grupo bem mudado. Um ciclo acabou, começa outro. A gente diz que acabou a pressão, mas já começa de novo. Elas têm de saber, jogadoras como Gabi, Roberta, Drussilla, a Anne, que chegou agora, que um novo ciclo começou. Ainda que você possa descansar o corpo, a mente já está pensando no novo ciclo. E novo ciclo começa com trabalho. Primeiro, com o clube. Depois, associando à seleção. Nós estamos começando o trabalho com o grupo mudado. Temos a levantadora, que vai começar como titular, a Roberta, que teve uma série de boas professoras, Fernanda Venturini, fofão, Dani Lins, Courtney – um processo que ela acaba como titular, mas que foi uma jogadora de muita experiência, essa vivência importante. É um ciclo importante para ela, que a gente espera que ela saiba o que fazer.
Gabi vai assumir ainda mais protagonismo, até em função da saída da Natália. Ela vai assumir o papel com a Anne, que é uma jogadora jovem, de 24 anos. Até brinquei com ela. Na estreia desse time, há 20 anos, tínhamos duas jogadoras holandesas. Nós temos um time que eu acho que o sistema vai ser mais importante. Não é um time alto. Até a chegada da Anne, sem as jogadoras da seleção, a mais alta era a Roberta, com 1,85m. E tem a Regiane. Mas, no time titular hoje, todas as jogadoras são mais baixas que a levantadora. Até as centrais são mais baixas. Nossos competidores, Osasco perdeu jogadoras, mas trouxe outras. O Praia, com a chegada da Fabi, foi o que mais se reforçou. Na minha opinião, parte como favorito nessa temporada em função do grupo que montou. Nós perdemos a Natália, temos uma segunda levantadora de experiência, que é a Camila, mas não é uma jogadora como a Courntey (Thompson, ex-levantadora do time). Nós temos uma equipe boa, que o sistema vai ter de prevalecer. Temos que trabalhar muito porque temos pouco tempo para a Supercopa e o Mundial de Clubes, que é um torneio com poucos times. Você tem seleções. São times com um aglomerado estrangeiro. Eczacibasi tem seis jogadoras top (é o time da brasileira Thaísa). É difícil acompanhar. Aqui, temos algumas jogadoras de seleção, nenhuma titular efetiva. A Anne é titular na Holanda. Lá, você tem uma legião de estrangeiros. Vai ser uma pedreira. Para nós, um desafio. Quem sabe chegar entre os quatro, sabendo que vai ser difícil. Nosso maior objetivo é a Superliga. Ganhar o 12º título é o objetivo do ano. Mas nós sabemos que vai ser difícil. É um time renovado, rejuvenescido, com poucas jogadoras de muita experiência. Temos a Fabi, Juciely, mas o restante é de jogadoras jovens, bem no início da trajetória de assumir responsabilidades.
Essa tem de ser a tônica. Nós somos um clube com dois grandes patrocinadores. Mas nós trabalhamos com um orçamento racional. Vamos buscar as pessoas certas para montar a equipe. “Ah, essa é a melhor jogadora em tal posição”. Nós não temos condições e não queremos trazer essa jogadora para a equipe. A gente acredita no sistema, no trabalho, no time funcionando como tal. Aí temos chance. Se essa química não funcionar e não conseguirmos, vai ser difícil. Temos de correr atrás. Temos nossas deficiências, tem sempre gente fazendo as coisas melhor do que nós. Temos de detectar para chegar nesse patamar. Assim foi na seleção, nas coisas que eu fiz. Temos uma jogadora da história da Fabi, mas não temos uma jogadora que vá resolver. O time vai resolver. A Monique foi excepcional no ano passado com a Gabi. A Anne chega sem responsabilidade, é uma jogadora que compõe bem. Roberta tem condição de ser uma jogadora importante.
Fonte: Ge
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