O protocolo de saúde da Confederação Brasileira de Futebol
(CBF) para realização dos campeonatos nacionais em meio à pandemia do novo
coronavírus (covid-19) deverá sofrer novas alterações com o desenrolar das
competições. Segundo o coordenador médico da entidade, Jorge Pagura, um balanço
das três primeiras semanas de bola rolando será concluído após as partidas da
última quarta-feira (26), que encerraram a quinta rodada da Série A.
“No protocolo, está colocado que ele pode ser modificado a
qualquer momento. Então ele vai, sim, realmente sofrer modificações. A gente
diz que ele é uma peça viva, é uma foto do momento. Mas ele pode ser
modificado, sim, sempre para que melhoremos nosso controle, seja com evidências
científicas muito bem pautadas ou até por alguma observação. Estamos avaliando
diariamente tudo o que está acontecendo. E o que for necessário fazer para melhorar,
nós vamos aprimorar esse protocolo quantas vezes forem necessárias”, afirma
Pagura à Agência Brasil.
Os procedimentos já sofreram alterações em relação aos que
antecediam os campeonatos. Após a primeira rodada das três divisões nacionais,
o atraso na divulgação dos resultados dos exames do Goiás e os vários casos
positivos em atletas relacionados para os jogos do fim de semana, levaram a CBF
a estender os testes a todos os inscritos pelos clubes e definir novos prazos
para envio dos diagnósticos: 24 horas para times mandantes, 12 horas antes da
viagem no caso de visitantes. Além disso, por logística, as equipes passaram a
poder optar por exames em laboratórios locais, ao invés do Hospital Albert
Einstein, de São Paulo, parceiro da confederação.
“Toda vez que é feito um protocolo, ele é pensado no maior
número de pessoas que pode atender. À medida que as especificidades aparecem,
esse protocolo pode ser adaptado”, avalia Raphael Einsfeld, médico do Esporte e
coordenador do curso de Medicina do Centro Universitário São Camilo, à Agência
Brasil.
Ele cita o caso em que quatro jogadores do Atlético-GO, que
testaram positivo para o novo coronavírus, foram liberados para enfrentar o
Flamengo no último dia 12. À Agência Brasil, o clube tinha
informado que os atletas vinham sendo acompanhados, cumpriram a quarentena e
não possuíam mais potencial de transmissão do vírus. A justificativa foi aceita
pela CBF, baseada em uma normativa do Centro de Controle e Prevenção de Doenças
(CDC) do governo norte-americano, acatada pela Organização Mundial de Saúde
(OMS).
“O CDC puxa uma revisão sistemática [método de pesquisa que
reúne as melhores evidências atuais ou disponíveis] de Oxford. Eles descobriram
que, após o oitavo dia de infecção, no indivíduo que está assintomático, não há
mais replicação viral, apesar de o PCR vir positivo. O PCR pode vir positivo
por muito tempo, porque ele detecta o RNA [material genético] do vírus. Não
necessariamente o vírus, mas parte dele”, explica Einsfeld.
Controle de casos
Há uma semana, na Câmara dos Deputados, Pagura apresentou
dados sobre os testes realizados até aquele momento. Segundo ele, antes de os
torneios nacionais começarem, foram aplicados 1,3 mil exames, com 74 resultados
positivos (5,69%). Já nos dias que antecederam a terceira rodada, os quase 1,5
mil testes registraram 16 contaminações para o vírus (cerca de 1%). Clubes como
o CSA, na Série B, e o Imperatriz, na Série C, tiveram partidas adiadas devido
a casos acumulados no elenco. Os alagoanos chegaram a ter 20 atletas afastados
com covid-19. Os maranhenses, 14.
“O número [de infectados] não surpreendeu porque a
prevalência espelha, mais ou menos, o que acontece no país. O que nos
surpreendeu é que mais de 50% desses casos positivos vieram de cinco clubes”,
diz o médico da CBF.
“Os clubes vão se adaptando, os jogadores entendendo melhor
esse momento, que afeta a todos. Hoje, os atletas são testados quase duas vezes
por semana. A logística atual de realização dos testes, que é descentralizada,
facilita muito o controle e evita que partidas sejam canceladas e uma série de
transtornos, que podem acontecer. Porém, achamos que, com a revisão dos
protocolos, isso será ajustado com o tempo”, sustenta o consultor científico da
Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), Carlos Starling.
Os próximos torneios a serem abarcados pelo protocolo são as
séries D masculina, que inicia em setembro, e a A2 feminina, que recomeça em
outubro. As competições seguirão as diretrizes atuais, mas, devido à realidade
das divisões, que reúnem times de menor estrutura e condições financeiras,
algumas adaptações podem ser feitas. “Eventualmente, a pesquisa de antígeno
viral ou os exames do tipo Lamp [coleta pela saliva] podem ser opções. Estamos
avaliando e ajustando o protocolo de acordo com a caraterística das equipes,
sem diminuir em nada o grau de segurança”, diz Starling.
Modelo próprio
O protocolo da CBF não é exatamente unânime. No último dia
11, o Sindicato dos Atletas de São Paulo (Sapesp) enviou ofício à entidade
pedindo mudanças, ameaçando entrar com ação e paralisar os campeonatos. À Agência
Brasil, o presidente do sindicato, Rinaldo Martorelli, citou como exemplos
que, a seu ver, poderiam ser adaptados à realidade brasileira, o Campeonato
Alemão, com isolamento das delegações por até sete dias antes de cada partida,
e a NBA, liga de basquete norte-americana, que reuniu atletas e comissões
técnicas em uma bolha na Disney, para término da temporada.
Os médicos ouvidos pela Agência Brasil veem
dificuldade de aplicação dos modelos por aqui. “Cada time [de futebol] tem,
pelo menos, 42 pessoas escaladas [para um jogo]. Viagens, como faz? Não tem
como não isolar o jogador, ele irá ao aeroporto, pegará voo, encontrará outras
pessoas. No estádio, há muito mais pessoas envolvidas. Para um estádio funcionar,
precisa de umas 100 pessoas. E a gente está falando de um campeonato que vai
até março”, pondera Einsfeld, da São Camilo. “Não valeria a pena do ponto de
vista financeiro e mental, e não traria qualquer diferença ou benefício, dado
que a gente está fazendo a testagem de todo mundo com segurança antes do jogo”,
completa.
Starling, da SBI, pensa de forma semelhante. “Temos que
achar nosso próprio modelo de retorno, ou tentativa de retorno a uma
normalidade. Acho, sim, que a experiência que tem sido desenvolvida aqui pode
servir para inúmeros outros países e continentes, como o africano ou o
asiático. O registro epidemiológico, as análises estatísticas e o segmento das
análises genéticas virais vão gerar uma série de trabalhos científicos para
um case nacional. É a expectativa que temos”, conclui.
Fonte-EBC